Conhecida como a nova lei de licitações e contratos, a Lei n° 14.133/2021 dispõe (Art. 14, V) que não podem disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente, empresas controladoras, controladas ou coligadas, nos termos da Lei nº 6.404/1976, concorrendo entre si. Esta é uma importante inovação em relação à legislação anterior, introduzida pela nova lei de licitações e contratos, em prol dos princípios elencados no seu Art. 5º, dentre os quais: eficiência, interesse público, igualdade, competitividade e economicidade. Esta alteração legal certamente se refletirá em nova jurisprudência do Tribunal de Contas da União.
Embora a Lei nº 6.404/1976 refira-se às sociedades por ações, as suas disposições têm regência supletiva sobre os demais tipos de sociedade, como as sociedades limitadas por quotas. Além disso, segundo o Art. 116 desta Lei, o controlador é a pessoa, natural ou jurídica, titular de direitos de sócio, com poder para dirigir as atividades e o funcionamento da companhia. O Código Civil (Art. 1.098) define como controlada, a sociedade cujo controle esteja em poder de outra, mediante maioria de ações ou quotas.
A vedação à participação de empresas coligadas na mesma licitação cumpre os objetivos do processo licitatório, dispostos no Art. 11 da Lei n° 14.133/2021, como assegurar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, preservar a justa competição e o tratamento isonômico entre os licitantes e evitar contratações com sobrepreço. Ademais, a Lei nº 12.846/2013, conhecida como lei anticorrupção, tipifica como atos lesivos à administração pública, no tocante a licitações e contratos, frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório, como também criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.
Apesar de terem personalidades jurídicas distintas, empresas constituem um mesmo grupo econômico quando estão sob a direção, controle ou administração de outra empresa ou compartilham interesses econômicos e coordenação para um objetivo comum. Deste modo, ocorre fraude em licitação quando empresas do mesmo grupo econômico simulam competição, mediante participação conjunta no certame, em desrespeito à igualdade entre os licitantes, criando um cenário artificial onde não há uma disputa real, com objetivo de obter vantagens indevidas.
A caracterização da fraude à licitação independe do resultado, pois configura, em analogia ao direito penal, ilícito de mera conduta, sendo suficiente a demonstração da simulação para conferir vantagem para si ou para outrem, conforme Acórdão 2908/2017, TCU – Plenário. A fraude à licitação, disposta no Art. 46 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, é constatada pela análise da conjunção das evidências do caso concreto, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE 68.006-MG) no sentido de que indícios são provas, se convergentes e concordantes.
Desta forma, o Tribunal de Contas da União decidiu que houve conluio entre três sociedades empresárias, com quadros compostos por familiares em comum, que participaram em pregões, com propostas figurativas simulando concorrência, razão pela qual declarou a inidoneidade das mesmas, no Acórdão 608/2023 – Plenário. Portanto, compete à Administração Pública obstar que sócios ou acionistas utilizem mais de uma pessoa jurídica para participar do mesmo processo licitatório, ou que empresas coligadas participem simultaneamente na mesma licitação, a fim de evitar práticas indevidas que prejudicam a competitividade dos certames e dificultam a obtenção de propostas verdadeiramente vantajosas.
Assim, conforme o Art. 37 da Constituição Federal, a Administração Pública obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, ao realizar processos de licitações públicas que assegurem igualdade de condições a todos os concorrentes, nos termos da lei.
Roberto Baungartner
Advogado, doutor em direito de estado (PUC/SP) e vice-presidente do IBDC (Instituto Brasileiro de Direito Constitucional)